O Ratinho Saltador

Era uma vez um ratinho saltador que vivia na campina, cercado pelas hastes altas de capim, com seus companheiros ratos. Em sua mente limitada, o mundo parecia resumir-se ali... Mas se escutasse atentamente, bem ao longe, poderia ouvir, na voz do vento, os murmúrios da água a correr. Um dia, enchendo bastante os pulmões de ar, imaginou o ato de saltar: conseguiu pular acima da relva, vislumbrando o rio. Espantou-se o ratinho saltador com a novidade, e disse aos companheiros:
- Logo ali existe um rio, vou até lá para vê-lo.
Foi em vão que tentaram dissuadí-lo:
- Você não passa de um rato, Saltador! Definitivamente! Não tem o que fazer perto desse - como é mesmo o nome? - rio.
Mas o ratinho insistiu, partindo em busca de seu sonho murmurante e deixando a comunidade dos ratos para trás. Andou. Andou. Continuou andando, guiado em seu caminho pelos quase imperceptíveis sons captados no horizonte, até que finalmente encontrou - maravilha das maravilhas! - o rio, correndo no meio da pradaria verde. Deslumbrado com aquela beleza toda, com a visão inusitada de um mundo novo, o ratinho quis mais. Era preciso, pensava ele, atravessar o rio... ver o que mais a natureza, excitada, reservava para ele. Mas não havia como! Outra vez o ratinho, em sua mente limitada, não podia imaginar um modo de atravessar o rio: o desafio excedia, em muito, a sua capacidade.
Enquanto ele matutava, desalentado, eis que surge à sua frente, de repente, um Sapo. Coaxando. O ratinho saltador não perde tempo:
- Ei! Você! O que é você? - pergunta, curioso, o ratinho saltador.
- Um Sapo. Vivo no rio.
- Então, amigo... Será que poderia me levar ao outro lado?
- Até poderia... - respondeu, reticente, o Sapo - Mas tenho um problema: sou cego, e para atravessá-lo, precisaria enxergar. Se você me der um de seus olhos, posso levá-lo até o outro lado.
O ratinho pensou, hesitou, mas acabou se decidindo. É meu destino - ele se conforma - É preciso pagar o preço. E arrancou o olho esquerdo, encaixando-o na cavidade vazia que marcava a face do Sapo. Contente da vida, dono agora do próprio nariz, o Sapo cumpriu a promessa, levando o Saltador ao outro lado do rio. Ali chegando, disse:
- Só posso levá-lo até aqui, prezado Saltador. São estes os limites de meu território.
Nosso ratinho, coitado, enfrentou o novo impasse: mais uma vez não podia se contentar com o sonho realizado. Mal acabara de chegar ali, e já queria mais. Ensaiando o salto, conseguiu ver ao longe uma massa de terra, escura e gigantesca. Nunca tinha visto algo assim, nem de longe parecido. Dirigiu-se a um alce que passava:
- Senhor Alce, me diga: o que é aquilo logo mais à frente? Ao que o alce respondeu:
- Ora, ora, seu ratinho ignorante, é uma montanha.
- Puxa, Sr. Alce, eu sempre quis conhecer uma montanha! Pode me levar até lá? E o Alce, penalizado:
- Lamento tanto, Sr. Saltador. Não posso. Sou apenas, infelizmente, um velho alce... e ainda por cima cego. Não. Não tenho a menor chance de chegar lá nessas condições. A não ser… - ponderou ele, cofiando a barba - que você me desse um de seus olhos… Se eu pudesse ver direito onde piso, certamente conseguiria, caro colega, levá-lo até a montanha.
O ratinho pensou, hesitou, e duvidou: só tenho um olho agora. Se o entregar ao alce, quem fica cego sou eu! De que me valerá chegar até a montanha? Mas o desejo se impunha. O empurrão do destino era irresistível... e conformado, ele tira o olho que lhe restava para entregá-lo ao Alce que, satisfeito, manda o Saltador subir-lhe às costas. Com a visão restaurada, o Alce se convence de que ainda é jovem, capaz de cumprir qualquer tarefa, e cumprindo a promessa, leva o ratinho até o pé da montanha.
- Sr Saltador!- ele disse - Cumpri a minha promessa. Mas não posso prosseguir... o limite do meu território é bem aqui.
Sem saber o que fazer o ratinho, agora totalmente cego, desce tateando pelas costas do alce, e mais uma vez não consegue imaginar o próximo passo. Mas tendo chegado até ali, não podia evitar o impulso de seguir em frente. Não existe caminho de volta, descobre ele, entregando-se nas mãos do destino. Lentamente, o Saltador cego vai tateando o solo e começa a subir a montanha íngreme, meditando sobre o caminho percorrido até ali... respirando fundo e subindo sempre. O sol escaldava, e eis que do nada surge uma sombra para refrescá-lo. Estranho, pensou ele, se bem me lembro de quando a vi, quando ainda tinha olho… essa montanha não tem nenhuma árvore. Nesse momento o Saltador se dá conta de que a sombra era uma águia, gigantesca, planando sobre ele... antecipando quem sabe um bom jantar. O medo toma conta do nosso herói, que enfim, conclui: o que pode ser pior do que um ratinho cego, se arrastando meio perdido montanha acima? A valentia o abandona quando ele sente sobre o dorso as garras da águia lhe roçando a pele.
- Não há mais o que fazer - diz para si mesmo o ratinho Saltador. - Não há pensamento positivo que dê conta dessa situação. Se o ataque é inevitável, o melhor é preparar-se... E se entregar. Neste momento o ratinho é arrebatado pelas garras ameaçadoras e sobe vertiginosamente, sentindo o vento a refrescar-lhe o rosto. De repente, nas órbitas vazias, sente novos olhos crescendo... E descobre que quem voa é ele, não mais um simples ratinho Saltador metido a aventureiro prestes a ser devorado.... sim! Ele era a Águia!